segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Agora Não É Tarde

Cada um de nós nasce com um artista dentro
poeta, escultor, aventureiro
cientista, pintorarqueólogo, estilista
astronauta, cantor ou marinheiro
e o sonho e a distância
e o tempo e a saudade
deram-nos vida, amor problemas
mentiras e verdade
e damos por nós mesmos descobrindo
que agora, se calhar, já é um pouco tarde
E nas memorias velhas
secretas da meninamorou sempre aquele sonho
de um dia ser bailarina
actriz, modelo, princesa muito rica, eu sei lá
Mas os anos correram num assombro
e a vida foi injusta em qualquer jeito
para a chama indelével que ainda arde
e os filhos são bonitos no seu peito
mas agora, pois é..., agora já é tarde...
E nos papéis antigosque rasgamos
há sempre meia dúzia
que guardamos como os planos da conquista do Pólo Norte
que fizemos aos sete anos
escondidos no sótão, uma tarde
e estiveram perdidos trinta anos
e agora, se calhar, maldita sorte,
por desnorte, acaso ou esquecimento
alguém já descobriu o Pólo Norte e...
agora, pronto, agora já é tarde!Há sempre nas gavetas
escritores secretos, cientistas e doutores
desenhos e projectos construtores
feitos em meninos
do tudo o que sonhámos fazer
quando fosse a nossa vez
cientistas em busca de Plutão
arqueólogos no Egiptoviajantes sempre sem destino,
futebolistas de sucesso no Inter de Milão...
E o curso da vida foi traidor
e o curso da vida foi cobarde
e o ciclo do tempo completou-se
e agora, pronto, paciência
agora já é tarde.
Agora é tarde
emprego, casa, filhos muito queridos
algum sonhar ainda com os amigos às vezes sair,
beber uns copos para esquecer
ou para lembrare fazer ainda um certo alarde
talvez para esconder ou para abafar
como é já tão demasiado
e tão simplesmente tarde.
Mas nãonunca, nunca é tarde
para sonharamanhã partimos todos para Istambul
Vladivostock, Alaska, Oslo, Dakarvamos à selva de Timor
abraçar aquela gente,
e as montaras de Amsterdam
que eu afinal não sou diferente.
Chegado a Tóquio, são horas de jantar
depois temos de voltar a Bombaim,
Passando por Macau e Calcutá
que eu encontro Portugal em todo o lado
e mesmo fugindo,
nunca saio de mim
e se esse marinheiro, galã, aventureiro
esse, já não há,
Que me saiba cumprir com coerência
nos limites decentes da demência
nos limites dementes da decência
e cumpramo-nos todos, já agora, até ao fim,
no que fazemos,
na diferença do que formos e dissermos
e perguntando, criando rebeldias,
conferindo aquilo que acreditamos
e o que formos capazes de sonhar
E se aquilo que nos dão todos os dias
não for coisa que se cheireou nos deslumbre
que pelo menos nunca abdiquemos de pensar
com direito à ironia, ao sonho, ao ser diferente
e será talvez uma forma inteligentede afinal,
Nunca
Nunca
Nunca ser tarde de mais para viver
Nunca ser tarde de mais para perceber
Nunca ser tarde de mais para exigir
Nunca ser tarde demais para acordar

Pedro Barroso